Confira abaixo:
Uma pesquisa divulgada hoje, sexta-feira dia 17, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela um dado preocupante sobre o mercado de trabalho no país: mais de 70% dos trabalhadores que atuam por meio de aplicativos estão na informalidade.
Segundo o levantamento, 71,1% dos chamados “plataformizados” como são classificados os trabalhadores que utilizam aplicativos para oferecer serviços não possuem qualquer vínculo formal de trabalho, como carteira assinada ou inscrição no CNPJ. O índice é bastante superior ao dos trabalhadores não plataformizados, cuja taxa de informalidade ficou em 43,8%.

O estudo integra um módulo especial da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), realizado em parceria com a Unicamp e o Ministério Público do Trabalho (MPT), e traça um panorama da realidade desses trabalhadores em 2024.
O levantamento mostra que o número de trabalhadores atuando por meio de plataformas digitais vem crescendo de forma expressiva. Em 2024, foram registrados cerca de 1,7 milhão de trabalhadores nessa condição que é o equivalente a 1,9% da população ocupada no setor privado. Em comparação com 2022, houve um aumento de 25,4%, com a entrada de 335 mil pessoas a mais nesse tipo de atividade.
Mesmo com esse avanço, a formalização ainda é um desafio e apenas 5,9% dos plataformizados contribuem para a Previdência Social, enquanto entre os não plataformizados, esse índice é de 61,9%.
De acordo com a pesquisa, o rendimento médio mensal dos trabalhadores por aplicativo ficou em R$2.996 levemente superior ao dos não plataformizados, que ganham, em média, R$2.875. Mas o que o dado mensal não mostra é o custo por trás dessa renda.
A jornada de trabalho dos plataformizados é significativamente maior já que são 44,8 horas semanais, contra 39,3 horas dos demais. Quando analisado o rendimento por hora, os trabalhadores por aplicativo ganham menos, R$15,40 enquanto os não plataformizados recebem, em média, R$16,80.

Além disso, a diferença entre os rendimentos mensais de ambos os grupos vem diminuindo. Em 2022, os trabalhadores por aplicativo ganhavam 9,4% a mais. Em 2024, essa vantagem caiu para 4,2%.
O estudo também mostra que o nível de instrução tem peso diferente para quem atua por aplicativos. Entre os trabalhadores com menos escolaridade, os rendimentos dos plataformizados chegam a ser 40% maiores que os dos trabalhadores convencionais.
Mas para quem tem ensino superior completo, a lógica se inverte: quem trabalha por aplicativo ganha quase 30% menos. Enquanto os não plataformizados com curso superior recebem, em média, R$6.072, os trabalhadores por aplicativo com o mesmo nível de instrução ficam com R$4.263.
Essa disparidade é explicada, segundo o IBGE, pela subutilização da qualificação. Muitos trabalhadores com formação superior acabam exercendo funções que exigem baixa escolaridade, como motoristas ou entregadores, enquanto uma parcela menor ocupa cargos com maior exigência técnica ou de gestão.
Apesar de oferecerem uma suposta autonomia, os aplicativos exercem forte controle sobre o trabalho prestado por seus usuários. Segundo a pesquisa, 91,2% dos motoristas afirmaram que é a plataforma que define o valor a ser recebido por corrida. Entre os entregadores, 76,8% disseram que não têm autonomia sobre a forma de pagamento.
Além disso, mais da metade dos entrevistados relatou que a jornada é influenciada por incentivos, promoções ou bônus, mecanismos criados pelas plataformas para estimular o aumento de produtividade. E mais de 30% dos trabalhadores apontaram sofrer ameaças de punições ou bloqueios, o que revela um ambiente de trabalho marcado por vigilância constante e baixa margem de negociação.
Por outro lado, há aspectos que ainda atraem. A flexibilidade de horário foi destacada como um dos pontos positivos por 78,5% dos motoristas, que dizem escolher quando e quanto querem trabalhar. No entanto, a liberdade de escolha nem sempre vem acompanhada de estabilidade ou previsibilidade financeira.
A pesquisa identificou uma concentração regional da atividade plataformizada. O Sudeste lidera, com 53,7% dos trabalhadores, seguido por outras regiões com características distintas.
No Nordeste, por exemplo, o destaque vai para os aplicativos de transporte de passageiros, que representam 69,4% dos trabalhadores plataformizados na região. Já o Norte apresentou a menor presença de aplicativos de serviços profissionais, com apenas 8,3%, menos da metade da média nacional.
Em termos de perfil, 86,1% dos trabalhadores por aplicativo são autônomos, enquanto 6,1% atuam como empregadores. A maioria, 72,5%, trabalha em atividades relacionadas a transporte, armazenagem e correio, refletindo o domínio de aplicativos como Uber, 99 e iFood no mercado brasileiro.
Os dados revelados pelo IBGE escancaram um cenário em que o avanço tecnológico caminha, muitas vezes, ao lado da precarização das relações de trabalho. Embora o trabalho por aplicativos ofereça alternativas de renda em um país com alto desemprego, a ausência de garantias, a dependência de algoritmos e a informalidade acentuada levantam preocupações urgentes sobre o futuro dessas ocupações.
Mais do que apenas uma escolha por flexibilidade, para muitos brasileiros, trabalhar por aplicativo tem sido a única opção viável diante da escassez de empregos formais. A discussão sobre a regulamentação dessas atividades, que avança a passos lentos no Congresso, ganha ainda mais relevância à luz desses dados.
Por Juliana Scudeler Salto